A reinvenção é quase uma arte

O engenheiro que virou suco no séc. 20 virou a reengenharia de tudo no séc. 21—e aí vem a AI, nossa cria de inteligência artificial... Aiaiai, a ciranda não para, não para, não para

A reinvenção é quase uma arte
Eis nosso engenheiro em versão coquetel — hora de brindar as infinitas possibilidades proporcionadas pela tecnologia, pois não há outro jeito | foto de Angelo Moleele, via Unsplash

Velhos tempos em que um engenheiro virou suco e abriu uma lanchonete icônica na av. Paulista, em São Paulo — uma história pra lá de bacana… mas, peralá, quem disse que a sociedade ou nossa vida irá nos brindar com a profissão que escolhemos ou com o alguém que pensamos que somos?? (Texto publicado originalmente em julho de 2019 numa versão anterior deste blog, no Medium, com pequenos adendos novos.)

Neste século 21 banhado pela tal rede internet estamos todos surfando na reinvenção dos negócios e das formas de trabalho; um agente imobiliário não fica fora disso, ao contrário—faz com gosto o que o engenheiro suco fez com algum contragosto: reinventa-se. E de novo, novamente. Quase um Rolling Stone.

Lembro-me de andar pela av. Paulista, em Sampa, e dar muita risada com a nova lanchonete de nome peculiar: O Engenheiro que Virou Suco. A saborosa reportagem de Renata Cafardo, publicada no Estadão em julho de 2008, e resgatada nos confins da web, resume o sumo daqueles tempos bicudos:

O engenheiro que virou suco morreu antes de o País se render de novo à engenharia. A lanchonete durou cinco anos, mas foi o bastante para expor a triste situação de milhares de profissionais em um Brasil mergulhado na recessão. Odil Garcez Filho deixou a mulher, também engenheira, dois filhos e uma história que engenheiro nenhum esquece.

Odil, o engenheiro virou suco e se reinventou em 1982, nossa famosa “década perdida” — uma reinvenção por ao menos por cinco anos; ele foi um pioneiro simbólico, porém mal sabia o que viria pela frente: uma tal rede internet fazendo suco de tudo e todos e pavimentando um século 21 feito pela reinvenção do trabalho e dos negócios. Trabalhos e negócios se vão, as pessoas ficam e se renovam. Ele teve leucemia e partiu para outras aventuras em 6/jul/2001, aos 51 anos. Fica nossa homenagem a um empreendedor emblemático, que de certa forma antecipou o futuro. Mesmo a contragosto. | Foto: O Estado de S.Paulo

“Lembro como se fosse hoje, eu estava no escritório, ouvindo ele me dizer ao telefone que tinha sido convidado a se retirar da empresa”, conta Neide Correa Garcez. O marido estava decepcionado com a profissão, e ao ligar para a mulher para contar da demissão, já tinha a solução. Iria abrir uma lanchonete.

Era 1982, início da nossa famosa “década perdida”, quando o país andou de lado. O filme nacional O homem que virou suco, de João Batista de Andrade, acumulava prêmios em festivais de Gramado, Brasília, Moscou. “Coloca o nome O Engenheiro que Virou Suco”, decidiu a mulher. E desligaram o telefone.. . .

Garcez Filho fazia questão de deixar o diploma na parede e a caderneta do Conselho Regional de Engenheira, Arquitetura e Agronomia (Crea) colada no vidro do caixa da lanchonete. “Sempre vinha gente perguntar se era verdade que ele era engenheiro. Saiu em revistas, jornais, TV.”

A loja na Avenida Paulista, quase na esquina com a Brigadeiro Luís Antônio, começou vendendo lanches e sucos e, por insistência da clientela, passou a ter os chamados pratos feitos. No primeiro dia, Neide faltou ao trabalho no Itaú e cozinhou 60 refeições.

— Texto integral publicado no Clareira da Existência

Naqueles longínquos tempos de 1982 poucos poderiam apostar na verdadeira liquefação de profissões e, principalmente, de negócios, proporcionada pela revolução provocada pela rede internet.

Em 1982, as bases da grande rede já estavam dadas — ela remonta a rigor a meados da década de 1960 — e é sobre essa rede que se construiu a sua face amigável, a tal web dos www, e a partir dela o mundo infinito dos aplicativos entronizados nos aparelhinhos que hoje nos acompanham: celulares, tablets, relógios e outras tentativas mais exóticas, como óculos, roupas e… chips subcutâneos! E agora temos a AI...

Dez anos depois do nosso engenheiro inaugurar sua nova versão e meio de vida, a web entrava no Brasil pra valer, embora uma web “da pedra lascada”, comparada ao que temos hoje. E hoje provavelmente nada irá se comparar com o que teremos amanhã e depois e depois. É a inevitável tecnologia e ação humanas, moldando com a tal destruição criativa as novas gerações.

E no entanto o atendimento imobiliário segue como uma atividade de construção de relacionamentos e de confiança entre humanos, em busca de seus lugares. Empresas como a franquia Remax, com mais de 50 anos de existência, cresceram em paralelo ao advento da internet como a conhecemos hoje, um crescimento a despeito dos desafios e das mudanças radicais dos últimos anos. Qual é a mágica?

A mágica é atender as pessoas e seus quereres numa questão fundamental, a propriedade. Pessoas e suas propriedades — seus lares, principalmente! — formam sob muitos aspectos as bases da nossa economia Ocidental, em qualquer tempo. Atender essas pessoas é um negócio abundante, porque sem-fim.

Como resultado, vemos não apenas engenheiros virando gestores de imóveis, mas bancários, professores, administradores e jornalistas, entre uma infinidade de profissões. Nosso querido engenheiro que virou suco apenas moveu a primeira pedra. Vida longa ao casal pioneiro em comunicar e traduzir seus novos caminhos com uma frase oportuna e emblemática, por mais duro que tenha sido o embate deles, assim como tem sido o de todos nós.

Do outro lado do balcão havia um comerciante com diploma

O lado não contado da bonita história de vida do engenheiro que virou suco — história de superação, claro, de buscar seus encontros e desencontros—, o lado que ficou no século 20 é noção torta que herdamos, ao menos aqui no Brasil, da “mentalidade anticapitalista”, pra citar uma frase emblemática de um dos autores de destaque de uma escola de economia que fez algum sucesso por aqui; seus teóricos certamente têm uma explicação para a recessão que levou embora o emprego do nosso herói, mas não vem ao caso alongar aqui esse lado da conversa.

Talvez nosso engenheiro tenha virado suco apenas por não ser um bom engenheiro, ora. Ninguém é obrigado a ser bom na profissão que escolheu, esse mito desaba de diversas formas ao longo dos anos.

Assim como a sociedade não é obrigada a fornecer emprego de engenharia ou qualquer outra profissão apenas porque alguém tem um diploma e um número de Crea, como citado no texto acima.

Ou talvez nosso querido engenheiro tenha descoberto que sua verdadeira vocação era o comércio de lanches e não há mal algum nisso, como qualquer um pode saber. Há impérios mundiais assentados sobre o negócio de vender comidinhas. E há pequenos comércios igualmente diferenciados fazendo o mesmo, felizes com suas opções de atendimento e estratégia.

Se no século 20, ao pendurar seu emérito diploma de engenharia na parede de uma lanchonete, uma mentalidade algo ressentida levou nosso audaz engenheiro a praticar um pouco de coitadismo — ainda hoje isso dá mídia que é uma beleza! — , no século 21 a questão está em descobrir-se apto a exercer um número cada vez maior de profissões que nunca existiram e em breve mais algumas que nem mesmo foram criadas. Como é o caso agora da AI.

A reinvenção é quase uma arte.
—Cassiano

Ps1: Esse texto foi escrito e publicado pela primeira vez em julho de 2019, quando a AI ainda era uma simples ideia na cabeça de algum engenheiro visionário. Ou não. Oxe, esse século 21 é pura adrenalina e aventura...

Ps2: Este canal Parceria Imobiliária é a nova reinvenção, seguindo sempre o mesmo caminho da venda com alguma graça de marketing e comunicação.